segunda-feira, 12 de março de 2018

Banda de Pífanos de Caruaru

No começo dos anos 70 a aparição de duas músicas da Banda de Pífanos de Caruaru na trilha sonora dos filmes "Terra sem Deus " e "Faustão" marcaram a incursão deste gênero na indústria fonográfica brasileira. Até então nenhum grupo de pífanos tinha gravado seus rupestres toques, seja em disco 78 rpm ou LP.

Tendo os irmãos Sebastião e Benedito Biano como arrimo, o grupo é hoje o mais importante no gênero, com apresentações em importantes festivais na Europa. Para entender a tradição da família Biano, o navegador viaja até o ano de 1924, no sertão alagoano, um ano após da prisão de Antônio Silvino, o cangaceiro mais famoso da época.

Nesta data, um caboclo chamado Manoel Clarindo Biano, casado com Dona Maria Pastora da Conceição, cabôca qui nem ele, herdou de seu pai quatro instrumentos: um bombo(tambor afinado a corda.) um prato e dois pífanos de taboca.

Mais do que os instrumentos, entretanto, seu Manuel herdava a obrigação de não deixar morrer a tradicional Zabumba Cabaçal, criada por seu avô, e que seu pai preservava com todo o carinho. Tratou logo de ensinar os antigos toques-muito dos quais aprendidos com os índios-aos filhos Sebastião, de 5 anos, e Benedito, de 11. Recrutou depois o amigo Martinho Grandão pra assumir a caixa e o próprio Manoel se ocupou do bombo.

Seus toques sincopados, ricos em melodia e de atmosfera pastoril ecoavam pelas rifas, casórios, novenas, enterros, missas e o que viesse. A família Biano percorreu quase todo o sertão entre as Alagoas e Pernambuco procurando bons lugares para se instalar. Os instrumentos iam sempre no lombo de algum animal e paravam em qualquer arraial que tivesse feira para descolar uns trocos.

Nessa pisada mambembe foram bater lá na região do agreste pernambucano, em Caruaru, a capital do forró que os consagraria. Chegaram em 15 de julho de 1939, e foram morar em Contendo, nas proximidades da zona urbana. Por lá continuaram com seus shows, já sob o nome de Zabumba dos Contendo.

O ano de 55 registraria a perda do patriarca Manoel Biano. Em suas últimas horas, pediu aos seus dois filhos que honrassem a tradição de seus antepassados e se juntassem aos familiares Luiz, de 9 anos, Amaro, de 10 anos, (filhos de Sebastião) Gilberto, de 15 anos, e João, de 11 anos (filhos de Benedito) e formassem uma nova bandinha, prontamente batizada com o nome de Banda de Pífanos de Caruaru.

Após a saída de Luiz, a banda ficou assim formada: 1º pífano: Sebastião, 2º pífano: Benedito, surdo - Amaro, tarol- Gilberto pratos -José e bombo - João, este último, de 8 anos, substituindo Luiz.

Eles que afinem, pelo meu instrumento

Mas as coisas só iam acontecer mesmo após Gilberto Gil em suas andanças e pesquisas tropicalistas "descobrir" a banda e gravar o tema Pipoca Moderna , de Sebastião Biano em parceria com Caetano Veloso. Até então viviam em uma roça próxima a Caruaru, onde subsistiam plantando mandioca e feijão.

Após o resgate, feito em 72, a Banda de Pífanos grava o seu primeiro, LP, intitulado "Banda de Pífano Zabumba Caruaru".

No mesmo ano em que gravam o primeiro disco se transferem para São Paulo, onde foram convidados a soprar seus pífanos em documentários, espetáculos e discos de outros artistas. Benedito era analfabeto e fabricava seus próprios pífanos. Quando tocava em espetáculos sempre dizia: "eles que afinem pelo meu instrumento, porque aqui entre nós é proibido se meter a entender de escala".

No ano seguinte, continuaram se apresentando em São Paulo e gravaram "Bandinha de Pífano Zabumba Caruaru, VOL 2", CBS. A inspiração tiravam da vivência sertaneja; o ronco remoente do carro de boi, o canto do bem-te-vi, brigas entre bichos, todos os motivos alegóricos do Nordeste vociferavam pelas suas rupestres flautas.

A origem dos pífanos remonta aos beduínos orientais e berberes norte-africanos, que legaram aos colonizadores nos 800 anos de dominação na Ibéria este formato, logo copiado por toda Europa.

Até o final da década de 70, se apresentaram na Suíça e pelas capitais brasileiras sendo o destaque do Projeto Pixinguinha, em 74. Só viriam a gravar novamente em 78, pela Continental/Musicolor. Para sobreviver faziam os mais diversos bicos, inclusive camelô.

Influenciariam grupos como Quinteto Violado, Alceu, Valença, Orquestra Armorial e outros. Nunca ficaram ricos e sempre reclamaram que não receberam o justo.

No repertório do grupo, figuravam temas do folclore nordestino -"A briga do cachorro com a onça"- canções próprias,- Bianada na Roça - até temas mais recentes como Feira de Mangaio (de Sivuca e Glorinha Gadelha).

No biênio 79/80 a bandinha assinaria contrato com a Discos Marcus Pereira, selo responsável por um dos melhores documentários em vinil, a série "Música Popular Brasileira", editada em 16 volumes (cada região com quatro volumes) Dois discos foram lançados neste período: "Banda de Pífanos de Caruaru", de 79 e "A Bandinha vai tocar", de 80.

Nos próximos 19 anos a indústria cultural brasileira deixaria o grupo no jejum, restando a eles aparições esporádicas ou vinculadas ao calendário de festas junino.

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